Prefeitura da cidade do Recife em conjunto com a Aliança Francesa e Livraria Cultura, realizaram no mês de junho a quarta edição do Panorama Recife de Documentários. Com uma semana de duração, o evento possibilitou o público assistir registros bem projetados, tanto em termos de montagem quanto de pesquisa e trabalhos de maior comprometimento com a expressão, refletida pela imagem, o som e o universo abordado com intensidade.
Na noite de quarta-feira, ultimo dia, fui surpreendido com o longa Santiago, de João Moreira Salles, irmão do também cineasta Walter Salles, que fez uma mistureba nessa divisão ridícula que eu citei a cima. e ainda tive a oportunidade de vê-lo disposto em trocar uma idéia com a os presentes.
Achei o diretor, um tanto estúpido, com um certo ar arrogante, e uma energia menosprezadora, fazendo você ficar inquieto só de vê-lo, enjoado quando ouvisse sua voz, e vomitar quando juntar isso tudo a seu comportamento. Ele ainda mostrou-se bem seguro e realizado quanto ao filme, justificando seus atos expressos na tela, embasado nas atitudes do cineasta Eduardo Coutinho.
Fato é que ele fez um filme formidável, uma obra prima, digna referencias para o estilo documentário.
O longa é narrado em primeira pessoa, pelo irmão de João representando o mesmo. (o que implica certa confusão, pois a voz de João é meio afeminada, e quando ela aparece, você fica perdido querendo saber quem é.) Dentre as portas luxuosas e o jardim exuberante da mansão dos Moreira Salles, surge um personagem fantástico, impar e peculiar: Santiago, um argentino, mordomo da família. A complexidade do personagem é absurda, ao mesmo tempo em que servia uma família de ricos no Brasil, tinha aspirações pela nobreza, e concerteza ele devia se sentir parte dela, escrevia artigos sobre várias, a alemã, a francesa, a austríaca, muito bem baseado. Santiago descreve os detalhes e nesse momento ele foi transportado para minha mente como se eu estivesse num sonho, pela delicadeza com que cita nobres artefatos.
Apresenta-se de várias formas, todas muito intensas, seja satisfeito, seja cansado pela extenuante gravação. Alegria, descontração, desconforto, prazer, respeito em demasia, pudor, são personagens de Santiago e pelo que me parece compostos pelo método Stanislavski.Poderia me estender falando de Santiago, mas só vi o filme uma vez, a um pouco mais de dois meses, o que é suficiente para minha pessoa sequeleda esquecer certos detalhes e nuances mais profundas.
Mas o filme não é bom só por causa de Santiago. Pela primeira vez senti uma evasão de prazeres e angustias reluzindo em efeitos técnicos, em perfeita harmonia e sincronicidade, pareciam melhores amigas, querendo chegar ao publico juntas, para sentir a mesma emoção juntas e se olharem e no êxtase máximo perceber o mesmo sentimento nos olhos uma da outra. Um mix de sentimentos que ora são tão antagônicos ora são consangüíneos.
O diretor consegue retirar do espectador através de sua calma um bem estar que não é seu e provocar uma paz em processo de conturbação e completo desequilíbrio quando só enxerga sua autoridade, esquecendo as circunstâncias magníficas que estão ao seu redor.existem inúmeros João Moreira Salles, e apenas um Santiago no filme: Um patrão e um servo, e ainda um patrão e um servo querido. O servo como amigo, não vimos, só ouvimos.
Algumas curiosidades circulam o filme...
· Ele demorou 14 anos para ficar pronto, e acabou, de certo modo, sendo um release sobre o fracasso. João tentou fazer o filme antes, mas não considerou bom suficiente, isso fica bem explicito, em certos pontos João parece não lembrar mais de acontecimentos delicados do filme, não sabe se provocou, se esperou acontecer, ou foi pego de surpresa, mas registrou fazendo com que suas delicadezas contracenassem com a singularidade do mordomo.
· Santiago deixou de herança todas suas anotações para João.
· No fim, o diretor não deixou Santiago dizer que era gay, pois o julgou que ia se expor demais, fato que comprova sua autoridade, talvez aquele João, ele tenha julgado que isso não seria interessante pro filme e acabou por deturpar um ciclo em que ele nunca teria acesso, se não estivesse sob uma posição dominante, se Santiago fosse de fato seu amigo.
· Lendo a Bravo! desse mês eu descobri outro João, sem grandes aspirações, com uma segurança flexível, a procura de um conforto. talvez essa obra prima seja resultante exatamente desse momento anterior, de crise existencial, já que ele mesmo diz que fez o filme para se curar. mas mesmo assim, com toda essa carga negativa, desilusões...
na realidade acredito que ele queria desopilar, resgatando os tais reflexos do passado, dessa vez consolidados em posições que não o incomoda mais tanto
.... conseguiu muito mas do que isso, mais do que ele mesmo possa achar que tenha conseguido...
SANTIAGO
Gênero: Drama
Tempo de Produção: 78 minutos
Produção: Brasil, 2005
Direção: João Moreira Salles
Matéria e entrevista na Folha de São Paulo (só assinantes)